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    Alemanha discute proibir sigla de extrema direita após polêmica com neonazistas

    A possibilidade de que o partido de extrema direita alemão AfD (Alternativa para a Alemanha) seja banido da vida pública voltou a ganhar força no país europeu nos últimos dias, depois que uma reunião secreta entre membros da sigla e neonazistas veio à tona.

    O caso foi revelado no último dia 10 pela agência de jornalismo investigativo Correctiv, que mostrou que políticos da cúpula da AfD se reuniram com neonazistas do grupo “Movimento Identitário”, oficialmente monitorado pela inteligência interna alemã como uma organização extremista de direita. Alguns diretórios estaduais da AfD também passam por monitoramento semelhante.

    No encontro, que ocorreu em novembro em um hotel no estado de Brandemburgo, os presentes discutiram um plano para deportar milhões de pessoas da Alemanha para a África, tanto estrangeiros quanto cidadãos alemães descendentes de imigrantes.

    A revelação causou forte reação na política alemã e motivou protestos em diversas cidades do país desde a semana passada. O premiê Olaf Scholz e a ministra das Relações Exteriores, Annalena Baerbock, participaram de uma manifestação contra a AfD em Potsdam na segunda (15) que reuniu cerca de dez mil pessoas. No mesmo dia, 25 mil alemães protestaram contra a extrema direita e o fascismo em Berlim.

    Scholz disse em uma publicação no X que “democratas precisam estar juntos”, e que a reunião com neonazistas “é um caso para a Justiça”. Já Baerbock disse que milhares de pessoas se manifestaram a favor da democracia “e contra o velho e o novo fascismo”. Na terça (16), outro protesto reuniu dezenas de milhares de pessoas em Colônia, no oeste da Alemanha, e manifestantes foram às ruas novamente em Berlim nesta quarta (17) para pedir a proibição da AfD.

    O banimento de partidos políticos é previsto na Constituição alemã em casos de siglas que ameacem a democracia. Para que isso se efetive, o Executivo, o Legislativo ou o Conselho Federal, entidade que reúne os governadores estaduais, precisa apresentar um pedido à Corte Constitucional com base em relatórios da inteligência interna do país, explica Rodrigo Cadore, jurista da Universidade de Freiburg.

    Ele diz que, enquanto no Brasil um partido pode ser cassado em casos que envolvam por exemplo formação de grupos paramilitares ou ligações com entidades estrangeiras, a Alemanha tem instrumentos legais que visam à proteção da democracia. Mas é preciso provar que um partido estaria “em vias de prejudicar ou eliminar a ordem democrática” para aboli-lo, o que não é fácil.

    No caso específico da AfD, afirma o jurista, o problema não é provar que o que foi discutido no encontro é incompatível com a democracia, e sim imputar isso ao partido e demonstrar que aquela não foi uma ação isolada.

    “O partido não tem, oficialmente, um programa extremista. Ele diz ser a favor da democracia. Não dá para fingir que [o encontro] é um evento isolado, você tem uma série de outros elementos. Mas como esses elementos se relacionam? Isso precisa ser provado”, diz Cadore.

    Embora a AfD só tenha pouco mais de 10% dos assentos no Parlamento, ela tem crescido nas pesquisas e já aparece em segundo lugar em alguns levantamentos. Além disso, a sigla aparece à frente nas sondagens em três estados que vão realizar eleições para os Legislativos locais este ano, Saxônia, Turíngia e Brandemburgo.

    Até aqui, a AfD não chegou ao poder em nenhum estado, uma vez que os outros partidos se recusam a formar uma coalizão com ela para ter a maioria e governar uma espécie de cordão sanitário para conter o avanço da extrema direita. Mas colaborações pontuais entre a sigla e a CDU (União Democrata Cristã), de centro-direita, já colocam a estratégia em xeque.

    A AfD não negou o encontro com os neonazistas nem repudiou seu conteúdo, dizendo apenas que a reunião “não era um evento oficial do partido” e que não vai alterar sua política sobre imigração. O programa oficial da legenda não menciona deportações em massa, mas é a favor de fechar as fronteiras e promover mudanças na legislação sobre o direito ao asilo, além de defender que a religião muçulmana, professada por 6% da população alemã, não tem espaço no país.

    O plano discutido na reunião incluía ainda deportar pessoas que ajudassem imigrantes e propunha enviá-las para um local no norte da África que comportasse até dois milhões de pessoas. De acordo com a reportagem da Correctiv, a ideia foi apresentada pelo Movimento Identitário e teve apoio dos políticos da AfD, entre eles, o ex-parlamentar Roland Hartwig, secretário da presidente do partido, Alice Weidel. Na última terça (15), Weidel demitiu Hartwig do cargo. Ao mesmo tempo, ela não se distanciou do plano discutido na reunião.

    Para o cientista político Stefan Marschall, professor da Universidade Heinrich Heine, em Düsseldorf, essa ambiguidade é proposital. Ele diz que existe concordância programática dentro da AfD com o que foi discutido na reunião, mas que o partido atua para que não fique claro se as ideias extremistas representam uma opinião majoritária.

    “É uma tentativa de se imunizar da acusação de violar a Constituição alemã, porque assim é muito, muito difícil provar na Justiça que o partido inteiro é inconstitucional e que, portanto, deve ser proibido”, diz Marschall. “Além disso, uma proibição deveria ser o último recurso. Antes, é preciso enfrentar o partido na política, não na Justiça.”

    “E isso não está fora de questão”, prossegue ele. “Há muito movimento nos partidos, e os eleitores são voláteis.” Um exemplo seria o mais novo partido alemão, o BSW, que surgiu de um racha da sigla A Esquerda e já demonstra força em alguns estados. “Como a AfD vai se desenvolver daqui para frente, não só nas pesquisas mas nas eleições de fato, é uma questão algo imponderável.”

     

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