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    Nasa tem missão bilionária para estudar oceanos e entender melhor o clima da Terra

    Após sobreviver a quatro tentativas de cancelamento, um novo satélite projetado pela Nasa para estudar em detalhes o único planeta a sabidamente abrigar vida -o nosso- já está no espaço.

    O Pace (acrônimo em inglês para satélite de ecossistema de plâncton, aerossóis, nuvens e oceano) promete revolucionar a compreensão da dinâmica entre atmosfera e oceanos, que envolve processos essenciais à evolução do clima, responsáveis pelas maiores incertezas ainda remanescentes nos mais modernos modelos climáticos.

    O satélite, de 1,7 toneladas e custo de US$ 948 milhões (cerca de R$ 4,67 bilhões), foi lançado a partir da plataforma 40 da Estação da Força Espacial de Cabo Canaveral, na Flórida, com um foguete Falcon 9 da empresa SpaceX, na madrugada do último dia 8.
    Colocado em uma órbita polar sol-síncrona, ele sobrevoará todas as regiões do planeta, passando em cada local sempre à mesma hora. Trata-se de um procedimento útil para a comparação de imagens feitas em dias diferentes, mas sob as mesmas condições de iluminação -posto que o Sol está sempre no mesmo lugar do céu durante a passagem.

    O equipamento voa a uma altitude de cerca de 675 km e já estabeleceu comunicação com o centro de controle da missão, instalado no Centro Goddard de Voo Espacial da Nasa, em Greenbelt (Maryland).

    Ao longo dos próximos 40 dias, ele fará o comissionamento de todos os sistemas e instrumentos, para então iniciar sua missão científica -que terá duração de no mínimo três anos, embora os pesquisadores esperem que ela possa atravessar uma década ou mais.

    TRÊS INSTRUMENTOS
    O Pace leva a bordo apenas três instrumentos. Um deles é uma câmera hiperespectral projetada para observar de forma detalhada os oceanos terrestres, com base em sua cor -não só a que podemos enxergar com nossos próprios olhos, mas também em ultravioleta e em infravermelho próximo.

    Com isso, o satélite poderá rastrear a distribuição de fitoplâncton -organismos protistas e bacterianos microscópicos que vivem de fotossíntese, processo pelo qual criaturas vivas convertem dióxido de carbono e luz solar em oxigênio e açúcar. A maior parte do oxigênio atmosférico que nos permite respirar, por sinal, é produto desses micro-organismos.

    E o mesmo se aplica ao oxigênio consumido por outros seres vivos nos rios e oceanos. Por fim, eles estão na base da cadeia alimentar marinha, o que os torna muito importantes para entender o desenvolvimento da vida como um todo no planeta.
    O instrumento permitirá também identificar quais comunidades de fitoplâncton estão presentes em que partes do oceano, em escala diária e global. As informações colhidas permitirão predizer a saúde das populações de peixes e acompanhar o surgimento de algas daninhas, além de identificar mudanças no ambiente marinho.
    “Não se trata de ‘curiosidade científica’. Os oceanos são repositórios importantes de dióxido de carbono e energia para todo o planeta, e 75% da superfície da Terra é coberta por água dos oceanos”, diz Paulo Artaxo, pesquisador do Instituto de Física da USP (Universidade de São Paulo) e especialista em mudanças climáticas. “Eles são fundamentais para a ciclagem do carbono e o balanço energético.”

    Os dois outros instrumentos embarcados são polarímetros, que medem especificamente luz solar que se reflete nos aerossóis presentes na atmosfera -partículas microscópicas dos mais variados tipos, de poeira a poluição- e se torna polarizada (as ondas eletromagnéticas passam a trafegar apenas em um plano específico, em vez de em todos).

    Ao mapeá-los e observar sua dinâmica na atmosfera, o Pace pode dar contribuições fundamentais para o aprimoramento de nossas modelagens climáticas, essenciais para compreender e então mitigar e, em última análise, conter a atual crise do clima movida pela atividade humana, principalmente com a queima de combustíveis fósseis.

    “Esses aerossóis têm um papel realmente importante, tanto no tempo no curto prazo -eles semeiam nuvens que crescem para virar tempestades e furacões- quanto na estabilidade do clima”, explica Karen St. Germain, diretora da divisão de geociências da Nasa.

    “Aerossóis refletem a luz solar e [esses instrumentos] determinam qual é a composição deles, quão grandes eles são, que forma eles têm e onde eles estão na atmosfera, e isso vai determinar que tipo de nuvens eles semeiam. Essa relação entre aerossóis e nuvens, e sua relação com o tempo de curto prazo e o clima de longo prazo é a maior fonte de incerteza que temos, em particular, na modelagem do clima”, diz.
    Para ela, “esses novos lampejos do Pace vão nos ajudar a responder o papel dos aerossóis, como eles criam nuvens e como isso alimenta as pressões de retroalimentação climática”.

    Artaxo, que tem boa parte do seu trabalho voltada para o estudo do papel dos aerossóis no clima, destaca o Pace como uma grande evolução.
    “Os novos sensores são muito mais modernos do que os que se usam nos satélites Terra e Aqua, da Nasa. São dez anos de inovação tecnológica que fazem a diferença. Os novos sensores possuem melhor resolução e são mais sensíveis, além de ter polarização, que melhora muito a detecção de aerossóis atmosféricos e propriedades de nuvens.”

    A LUTA PARA CHEGAR AO ESPAÇO
    É costumeiro pensar na Nasa como a agência espacial que explora o espaço, mais focada em outros planetas do que no nosso. Mas, na verdade, o estudo da própria Terra, tanto como um fim em si mesmo quanto para comparação com seus vizinhos no Sistema Solar e além, é uma das missões principais da agência.
    No momento, ela opera 35 missões em órbita terrestre, que incluem também instrumentos em satélites da Noaa (agência atmosférica e oceânica americana) e a bordo da Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês).

    O Pace se junta ao grupo com um custo de quase US$ 1 bilhão, mas por algum tempo o destino do projeto foi incerto.
    Durante o governo de Donald Trump, houve uma determinação para tirar o foco da Nasa de missões voltadas para o estudo da Terra, em particular em conexão com as mudanças climáticas. Por quatro anos, entre 2017 e 2020, o orçamento proposto pela Casa Branca previa o cancelamento do Pace. Em todas as ocasiões, o Congresso americano restituiu o financiamento e manteve a missão nos trilhos.

    A obsessão da antiga administração para derrubar missões de estudo do clima da Nasa ia tão longe a ponto de tentar cancelar até mesmo as operações de instrumentos já lançados, como a câmera Epic, a bordo do satélite da Noaa Dscovr (acrônimo em inglês para Observatório Climático de Espaço Profundo), lançado em 2015.
    Agora, Trump luta para retornar à Presidência dos EUA. Isso pode significar um futuro abandono do Pace ou de outras missões de geociências da Nasa? Não para Artaxo. “Não é possível que um eventual governo Trump afete essa coleta de dados. O Congresso americano e a população jamais permitiriam um descalabro desses.”

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